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A Independência no Espírito Santo - Por Mário Freire

O desembargador Manoel Pinto Ribeiro Pereira de Sampaio, notável espírito-santense, que faleceu em 1857 como presidente do mais alto Tribunal do País

O espírito liberal que vinha exaltando todo o Brasil, em marcha para a Independência, agitou igualmente o Espírita Santo. Quando mais intensa se tornou a exaltação, tivemos no Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte uma figura assinalada do movimento.

Sucedendo ao Pai, também padre, quando este se jubilou como lente de Latim em 1815, seguiu dois anos depois para o Rio, a fim de representar pessoalmente ao Rei, contra violências de Rubim. E, em 1819, esse Governador deixava o Espírito Santo confiado a uma Junta, transferido, como Governador, para o Ceará grande, como naquele tempo se dizia.

Durante a curta administração dessa Junta, divulgaram-se os estatutos da Sociedade de Agricultores, Comércio e Navegação do Rio Doce. Entre outros favores, pretendia que o Rei lhe concedesse 8 sesmarias, cada uma de uma légua em quadra.

Substituído o Governador, o Padre voltou ao Espírito Santo, onde vamos encontrá-lo nos principais movimentos em prol de nossa autonomia.

Voltou quando assumia o governo Baltasar de Souza Botelho e Vasconcellos, que já administrara o Piauí: esse Governador pretendeu, desde logo, povoar a zona do Rio Doce. Com esse propósito, por tal forma concedeu sesmarias, naquele trecho, que, aprovados em 1825 os estatutos da referida Companhia, o respectivo representante, José Alexandre Carneiro Leão, mal pôde obter quatro...

O apressado plano governamental de colonização não podia proporcionar bom resultado. As sesmarias que o Governador concedera, em número de 68, não tinham sequer limites exatos: começavam, em geral, onde findava a do concessionário anterior.

A ligação para Minas continuava merecendo grandes cuidados, refletidos na estrada que o tenente-coronel Duarte Carneiro abrira, e vinha zelosamente conservando. Souza Botelho ainda teve a satisfação de comunicar à Corte a descida, em Junho de 1820, da primeira boiada, vendida no Espírito Santo. Até essa época sempre à frente dos trabalhos dessa estrada, Duarte Carneiro conseguira encaminhar ao Rei um pedido de índios puris, anteriormente tão temidos, desejosos, por último, de ficarem aldeados nas proximidades do quartel de Vila do Príncipe. Do córrego, entre os de Souzel e Chaves, enviou amostras de ouro. Por isso, a mesma carta régia que mandou aldear os índios, como pediam, recomendou a exploração do ouro nos córregos próximos. A agitação política fez logo esquecer e abandonar esses planos.

A tropa aquartelada em Vitória, até 1820, no forte do Carmo, teve de ser acomodada em dependências do convento do Carmo, onde já funcionara o hospital militar. No forte foi instalada, naquele ano, a Alfândega.

Nada mais pôde Souza Botelho fazer, devido à campanha em prol da Independência.

Duas facções trabalhavam, no Brasil, por esse nobre ideal: uma, chefiada por Gonçalves Ledo e Cunha Barboza, procurava entusiasticamente precipitar os acontecimentos; orientada por José Bonifácio, a outra desejava desenvolver um plano sem precipitação.

Filiaram-se a esse último grupo, no Espírito Santo, além de Duarte Carneiro, os Padres Manoel de Freitas Magalhães e Marcelino Duarte.

Freitas Magalhães, nascido em Vila-Velha, teve de partir para o Rio, em 1821, sob as mais sérias ameaças. Em outubro de 1823 saudava, no teatro, em versos de improviso, a D. Pedro I e José Bonifácio, reconciliados. Teve ainda depois, cônego, alguma projeção política.

Coube ao Padre Marcelino Duarte saudar a primeira Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em sua instalação, a 16 de Janeiro de 1830. Constante agitador, Marcelino Duarte figura citado num estudo de Xavier da Silveira, sobre a evolução da imprensa no Brasil, entre os temíveis panfletários de cuja orientação, nos debates jornalísticos dos últimos dias do primeiro reinado, resultou a reação nacionalista do 7 de abril. Ainda depois, durante a Regência, foi redator, no Rio, do periódico "O EXALTADO".

Vitoriosa a corrente de José Bonifácio, a revolução, disse-o Euclides da Cunha, só pode afinal ser salva — "com urna política terrível de Saturno: — esmagando os revolucionários!...

No processo mandado promover contra Ledo, Januário Barboza, José Clemente e outros adversários dos Andradas, depuseram 5 testemunhas do Espírito Santo, entre as quais os três supracitados patriotas.

Marcelino Duarte mostrou-se surpreso de ver Luiz Pereira da Nóbrega íntimo e até ministro do Imperador; no Espírito Santo, pouco antes, maltratara o próprio Governador (acrescentou logo – "o melhor que ali apareceu; Deus lhe fale n'alma"... E referiu o que se passou no dia do juramento das bases da Constituição, mandadas observar no antigo Reino, cerimônia realizada na Câmara de Vitória, segundo Brás Rubim, a 14 de julho de 1821. Finda a solenidade, quando todos iam para o Te-Deum, ouviram-se vozes reclamando um governo provisório. O Governador, com "prudência", salientou a testemunha, exigiu, que os amotinadores firmassem uma declaração nesse sentido; formulada, porém, a exigência que o Governador julgou necessária para ressalvá-lo, somente "um caixeiro da praia e um boticário" se lhe apresentaram sustentando essa opinião . Marcelino Duarte aproveitou-se disso; e, na oração que proferiu durante a cerimônia religiosa, demonstrou as inconveniências de um governo provisório, organizado tumultuariamente, como sugerido . Foi por esse motivo também maltratado, principalmente depois da vinda de Nóbrega, pois este fizera julgar suspeitos os patriotas que pensavam desse modo, acusando-os de partidários dos antigos reis absolutos. Eram anti-constitucionais, e o povo denominava-os, vulgarmente, "corcundas". Armitage, estendendo o conceito de republicanos a todos os revolucionários, considera "corcundas' os monarquistas.

Relembrou outra opinião muito divulgada de Nóbrega, segundo a qual dever-se-ia logo ter instalado, na Capitania (sic), o governo provisório como fora reclamado, a exemplo do que se fizera em outras Províncias — "porque os povos estavam cansados de sofrer despotismos".

Melo Moraes (pai), reproduzindo integralmente esse depoimento, quando ainda recente a agitação daqueles dias, comentou-o apaixonado — "Essa testemunha mostra, por seu depoimento, que, é um corcunda refinado; é por isso que atribuiu a crime, em Nóbrega, as expressões que diz lhe ouvira contra o despotismo. Mas enganou-se: a testemunha, se pensou comprometer a dignidade de Nóbrega, porque bem pelo contrário, lhe passou uma atestação de bons serviços"...

Diante do que vira em sua Província, onde ainda votou em outubro de 1821, na eleição do Dr. João Fortunato Ramos, como deputado às Cortes de Lisboa, retirou-se o Padre Marcelino Duarte, licenciado, para o Rio. Nascido em Vitória, Fortunato Ramos era lente em Coimbra. Não aceitou o mandato, afirma Amâncio Pereira.

Jurada a Constituição Portuguesa, a tropa de linha revoltou-se contra o Comandante, e forçou o governo a substituí-lo pelo sargento-mór José Marcelino de Vasconcelos, que comandava a artilharia. Comunicando o incidente, o Governador verberou o procedimento incorreto desse oficial, como insuflador disfarçado do que ocorrera.

Depondo, por sua vez, o Padre Freitas, referiu que, segundo ouvira dizer, Souza Botelho admitia em casa "da meia-noite para o dia, certos realistas e corcundas"... Devia ser verdade porque, como ele tardasse em partir do Espírito Santo, e não havendo jornais em Vitória, nas ruas da agitada vila apareceram pasquins afrontosos a tinta vermelha, em oitavos de papel almaço. Um deles ameaçava-o: "Se nesta vires trinta do corrente, morres, corcunda, infalivelmente"...

Seis meses antes da Independência, deixava o Espírito Santo o último Governador colonial, ficando a administração, mais uma vez, confiada a uma Junta.

Não cessou, porém, a agitação. Novo motim, desta feita, provocado por uma questão entre o Ouvidor e o Comandante das Armas, levou este militar a pretender depor a Junta, poucos dias antes da Independência: desobedecido pelos soldados, que, em frente ao Palácio do governo, fizeram causa comum com o povo, todos a favor da Junta, abandonou o comando. Nessa ocasião, fugiu o Juiz Ordinário, outro exaltado.

Desses últimos movimentos resultou, infelizmente, a prisão de Duarte Carneiro, o infatigável pioneiro e conservador da estrada para Minas: levado ao Rio, serviu depois como uma das testemunhas no já citado processo contra os adversários dos Andradas.

Alguns ofícios daqueles dias, expedidos pelas Câmaras do Espírito Santo, deixam perceber como a opinião pública convenientemente esclarecida, ia aos poucos se manifestando.

Antes da comunicação oficial, feita pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro, Vitória soubera que essa alta corporação, no dia do aniversário do rei D. João VI, havia oferecido ao filho o pomposo titulo de — "Defensor e Protetor do Brasil". Como o escrivão, ao lavrar, a ata, omitiu o segundo epíteto, uma ressalva, à margem, fez constar que o Príncipe não o aceitara assim, porque — "o Brasil se protegia a si mesmo".

Respondendo a essa comunicação oficial, a Câmara de Vitória recordava, ainda cautelosa, como, todos haviam vivido felizes "para sempre à sombra da proteção de Sua Alteza Real, livres dos horrores da anarquia e da desunião de Portugal". Responderam também as de Benevente e Itapemirim, esta deixando transparecer o entusiasmo que, desde logo, experimentava pela grande causa patriótica.

No mesmo dia em que a Independência foi proclamada em S. Paulo, a Câmara do Rio oficiou à de Vitória. Na resposta, datada de 1 de outubro, esta ainda repetia protestos de súditos sempre atentos e respeitosos a D. João VI: — "Não podemos deixar de sentir intimamente, no fundo dos nossos corações, que nosso augusto Monarca esteja contrafeito a emprestar o seu sagrado nome em nosso desfavor". Lamentava, em seguida, o acintoso esquecimento da Constituição. E concluía, com essa manifestação decisiva: —"Aclamemos, senhores, suba quanto antes ao trono do Brasil um príncipe que se regozija do nome de brasileiro. Reine com ele a Constituição neste vasto continente". Afim de demonstrar que não era somente uma deliberação da Câmara, foi anexado ao ofício um termo da reunião solene, realizada naquele 1 de outubro — "ao toque do sino, na casa da Câmara", com a presença também do Ouvidor, Juiz Ordinário, clero, militares, cidadãos da nobreza e povo, ao todo, umas setenta assinaturas . Todos pediam que o Príncipe assumisse o governo do Brasil, como um novo reino.

Além do Capitão-mór das ordenanças, Francisco Pinto Homem de Azevedo, dono da propriedade, em Jucutuquara, na qual Saint-Hilaire estivera hospedado; assim como do Vigário Frei Domingos de Jesus Maria, fransciscano, não obstante dizerem-no filho de D. João VI; e do Padre Marcelino Pinto Ribeiro, pai do Padre Marcelino Duarte, firmaram o documento mais sete sacerdotes : — predominava ainda, entre nós, a preocupação, que Rugendas pouco depois notou já abandonada em outros pontos, das melhores famílias apresentarem, pelo menos, um filho padre, como demonstração de pureza de sangue, à vista das dificuldades anteriormente opostas na seleção de novos sacerdotes . A elevada percentagem de religiosos, naquele movimento patriótico, parece justificar a observação de Ibarra, segundo a qual, subordinado a poderes espirituais, o clero nunca se esquiva a mostrar francamente sentimentos nacionalistas, demonstrando em geral, pouco apego a soberanos da terra. Não tinham dízimos a defender, no Brasil, disse Armitage, com injustiça...

As Câmaras das vilas do Espírito Santo, Benevente, Nova Almeida, Guarapari e Itapemirim apressaram-se em responder, no mesmo sentido, à consulta da do Rio. Fazendo-o a 14 de outubro, a de Nova-Almeida pôde juntar o termo da Aclamação, realizada a 12, como a do Rio sugerira por ofício de 17 de setembro. Novos ofícios de Guarapari e Benevente descreveram como se realizou idêntica solenidade nessas duas vilas.

São Mateus, que, ainda em agosto de 1822, encaminhara às Cortes de Lisboa, por intermédio da Junta Provisória da Bahia, sua opinião sobre as delegações do Poder Executivo, discutidas em Portugal, recebeu logo depois, com entusiasmo, a pequena Força enviada de Vitória, para repelir qualquer investida das tropas do Brigadeiro Inácio Madeira, obedientes, na Bahia, às Côrtes Realizando a Aclamação em Janeiro de 1823, S. Mateus declarou-se sujeito ao Espírito Santo; e um aviso ministerial reconheceu e mandou respeitar essa subordinação, enquanto o Legislativo não deliberasse a respeito.

Refere Armitage que, bloqueados no Porto da Bahia pela esquadrilha do Almirante Cochrane, os portugueses diligenciavam obter farinha de mandioca, mandando sumacas a S. Mateus, "na Província do Espírito Santo", das quais rara a que voltava.

Após a Independência viera ao Espírito Santo, a fim de acalmar os ânimos, o desembargador Manoel Pinto Ribeiro Pereira de Sampaio, notável espírito-santense, que faleceu em 1857 como presidente do mais alto Tribunal do País. Foi eleito pelo Espírito Santo para a Assembléia transformada na primeira Constituinte brasileira.

Candidato a Senador, na organização do primeiro Senado, foi preterido pelo Padre Santos Pinto, do qual apenas se sabe que fora Vigário da Candelária, no Rio. Novamente candidato quando esse Senador faleceu em 1836, foi preterido pela escolha do próprio Presidente da Província, pai do conselheiro Nabuco de Araujo, consagrado estadista do Império.

 

Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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