Vapores no Rio Doce
Já fizemos referência que, nos albores do século XX, havia firmas organizadas navegando o rio Doce: o “Muniz” da firma Viana e Cia. E os “Milagre” e “Santa Maria” de Mascarenhas, Costa e Cia. Um dos sócios desta, Dioclésio V. dos Passos Costa, em “1884, era vereador da Câmara da Vila de Linhares, quando saiu do cargo para ser Agente dos Correios”. Constituiu família em Linhares e deixou aqui seus descendentes.
Para ajudar esta navegação e outras companhias que transitavam na barra, pela costa atlântica, erguia-se imponente o Farol de Regência. Sobre os dois, refere-se assim o Dr. José Casais: “Regência, balcão sobre o Atlântico, é uma aldeia pequena de barcos rústicos. Há um cruzeiro atrás da Igreja Paroquial e, sobre as cabanas, como um gigante erguido, descobre-se o grande farol pisca-piscas, de moderna armadura mecânica”.
E ainda está, não mais tão “moderno”. Fica situado na foz do rio Doce, lado sul, “latitude S 19º 38’ e longitude 39º 50’, alcançando uma área de 17 milhas”. (Lista e Faróis da Marinha do Brasil – 1969).
A Capela, referida por Casais, “foi construída por ingentes esforços do professor Pio Pedrinha e por todos os habitantes da localidade”.
Entre 1920 e 1924, o governador Nestor Gomes, que esteve em Linhares várias vezes, colocou no rio Doce dois naviozinhos movidos a óleo diesel, para efetuarem a navegação entre Regência e Colatina: o “Tupi” e o “Tamoio”.
Data dessa época a realização de sonho dos antigos linharenses do século passado: a abertura de um canal ligando o rio Comboios ao rio Doce, para servir de comunicação com o Atlântico nos períodos em que a barra do rio estivesse impraticável.
A primeira tentativa de abertura deste canal e os trabalhos iniciais foram feitos por um norte-americano em 1860. Mas não prosseguiu, devido às dificuldades encontradas.
Nestor Gomes então resolveu realizar esta obra, sob a direção do Sr. Lastênio Calmon, “que não poupou esforços para conseguir o êxito desejado”. Segundo seu filho, Lastênio Júnior, por este canal chegou o “Tamoio”, vindo rebocado de Vitória até a Concha do Riacho, e dali com suas próprias máquinas saiu no rio Doce. Este percurso, no entanto, não se tornou de utilidade prática e foi pouco usado.
|Toda aquela região era extremamente pantanosa. Alguns locais eram bastante perigosos, podendo-se afundar até a cintura. Quando caíam as chuvas de inverno ou as tempestades de verão, elevando o nível das águas, toda aquela área tornava-se quase um único e enorme alagadiço, com correntezas que, indo dar ao canal, enchiam-no de detritos, forçando a subida das águas represadas e inundando as margens; ou então, proliferavam de tal maneira as plantas aquáticas que se tornava impossível qualquer navegação.
Atualmente existem outros canais abertos pelo DNOS, para escoarem estas águas, entretanto, os processos acima descritos se repetiram. No momento, segundo informações, a Petrobrás está abrindo outro bem mais largo e profundo, com técnicas modernas. Contudo, este assunto pertence a outra época, bem adiante da que estamos nos referindo.
Sobre os navios “Tupi” e “Tamoio”, navegaram pouco tempo, e em 1927, foi adquirido e inaugurado pelo governador Florentino Avidos, o mais famoso desses barcos, muitas vezes chamados de gaiolas, e que foi visto e usado por muitos linharenses de hoje: o Juparanã.
Para descrevê-lo recorro novamente ao Dr. Casais, tão inimitáveis nos parecem suas palavras. Na oportunidade, aproveitamos para das as suas impressões sobre a viagem que fez pelo rio Doce. Infelizmente ele não se refere a datas desta época, calculamos então que esteve por aqui entre 1937 e 1939.
“O Juparanã, encostado ao barranco (em Colatina), espera o momento de partir. É o vapor que faz a navegação entre Colatina e Regência. É o único e pertence ao Estado, fazendo o trajeto duas vezes por semana: uma viagem de ida e outra de volta. Às 8 horas da manhã, a sirena dá o último aviso. Subiram a bordo os passageiros, Casais entre eles, e alguns caçadores. Ao sair, o barco não desperta a curiosidade de ninguém em Colatina, pois é fato comum para todos.
“O Comandante Pedro Epichin, é tão inesquecível para aos passageiros do Juparanã, como são as peripécias da viagem. Russo de origem, brasileiro por temperamento e por lei, é obsequioso e desfaz-se em amabilidades para com os turistas que vêm conhecer o rio, atendendo-os com a mesma cordialidade como os receberia em sua própria casa. Na zona fluvial é muito querido. Desde o rico fazendeiro ao mais humilde caboclo, consideram o Epichin como um velho camarada”.
Na época da seca, o rio já ficava muito baixo e tinha-se que descobrir os canais certos para navegar o barco e evitar que encalhasse nos bancos de areia. “Epichin perscruta o canal com assombrosa perícia. Conhece, pelo reflexo da luz na água, onde a profundidade é maior”. Mas o rio é traiçoeiro e o barco encalhava várias vezes. Aí então havia alguns marinheiros prontos para o árduo trabalho – movidos de grossos paus – de deslocar lentamente o casco. Na viagem de Casais, já bem próximo da foz, ele refere-se a um destes trabalhos, que durou “mais de 5 horas”.
Durante o percurso, o vapor parava muitas vezes perto de algum barranco onde havia uma bandeira branca, sinal certo que indicava a presença de passageiros ou cargas. Outras parava para se abastecer de lenha que alimentava a caldeira e fazia girar as grandes rodas em forma de pás que moviam o barco.
“Em alguns lugares, grupos de agricultores vêm receber o vapor. Todos levam, como se fosse uniforme, um facão pendente do cinto, que cravam numa árvore antes de subirem a bordo. Em Linhares, atracava tanto na margem esquerda, no porto calçado de pedras, como na antiga Goitacases, na margem direita. Além do vapor, Casais viu “canoas cavadas em um tronco de peroba, com mais ou menos 12 metros de comprimento”.
O Juparanã tinha dois andares: na parte de cima havia “camarotes pequenos, mas confortáveis”, um bar repleto de bebidas e serviam boas refeições. Pelas palavras de Casais, calculamos que levaram dois dias e meio, de Colatina a Regência. Acreditamos que a passagem do barco por todo o curso, Colatina para baixo do rio, devia ser uma festa para os moradores, pois trazia novos habitantes, amigos, parentes, conhecidos, mercadorias necessárias e notícias.
E ele refere-se à paisagem que margeava o rio: “a floresta é exuberante, há inúmeras ilhas, algumas praias brancas e, nos barrancos, vejo jacarés, capivaras, porcos-do-mato e aves raríssimas. Separadas alguns quilômetros umas das outras, vejo fazendas de cacau, cereais e pouca exploração pecuária”.
Na volta de Regência, o turista desceu na Maria Bonita, retratou as construções, a professora com alunos e fez referências elogiosas a Filogônio Peixoto, com quem se encontrou. Referiu-se ainda ao irmão, Afrânio Peixoto, escritor de quem conhecia as obras.
Dali veio para Linhares e ficou na fazenda Goitacases, que nunca perdeu este antigo nome para os moradores daqui. Retratou cacaueiros, as casas de sede e, depois chegou a acompanhar a comitiva do governador Punaro Bley, que passava para inaugurar o trecho completo da estrada Vitória-São Mateus.
Sobre as balsas que então faziam a comunicação norte-sul do rio Doce, em Linhares, falaremos mais à frente.
Assim, concluímos que, mesmo com aquela estrada aberta, passando por Linhares, o vaporzinho serviu às populações ribeirinhas durante muito tempo.
Fonte: Panorama Histórico de Linhares, 1982
Autora: Maria Lúcia Grossi Zunti
Compilação: Walter de Aguiar Filho
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