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500 Anos de Cantoria

Índio Arariboia

Contam que o início da cantoria começou com o português e o índio. Este deu a primeira nota, primal. Não houve registro fonográfico mas até hoje sente-se a retumbância daquele acorde, provavelmente em sol maior. Vitória, então terra de índio, foi batizada com esse nome devido à derrota dos bugres para os portugueses, tendo um deles por aqui quase fazendo história.

Provavelmente entre 1549 e 1551, Francisco De Vaccas, o chefe da Alfândega do donatário Vasco Fernandes Coutinho, destacou-se entre os nativos pelo seu talento musical: era dono de uma voz invejável e de uma estonteante habilidade na execução da viola. Ele é considerado pelos eminentes pesquisadores como o "primeiro seresteiro do Brasil". Sabedor dessa presença em nosso solo, um astuto jornalista local considerou o fato tão importante, tão importante, que achava que as autoridades deveriam erguer um monumento homenageando tão excepcional músico e também fosse motivo para massagear o ego capixaba; afinal tratava-se do pioneiro de uma arte brasileira.

Acontece que ninguém sabia como era a cara do De Vaccas e acabaria sendo esculpido mais um rosto barbado. Sugeriu-se então que a estátua teria De Vaccas com as duas mãos encobrindo a face, insinuando mesmo o constrangimento do consagrado músico em exibir-se para uma platéia só de índios. Presumiu-se que na verdade De Vaccas só alcançaria a fama e o sucesso na Bahia, para onde o artista partiu, em busca de um mercado mais sólido e agitado. E os baianos levaram o crédito daquilo que só nossos índios sabiam: a MPB havia nascido aqui, e não lá.

Aqui ficamos, séculos afora, no silêncio indígena, alheios ao perverso processo de globalização pelo qual nossos costumes passavam. Os índios, na verdade, chegaram a receber suas homenagens como primeiros ouvintes de Vitória - as excelentes lojas de discos, Cacique e Guarani, em plenos anos 50, além de nomes em ruas e viadutos. Nada mais.

Um superexperiente produtor musical outro dia questionava sobre essa coisa dos compositores localizarem geograficamente em suas letras as diversas situações por eles vividas. Ele argumenta: "... já pensou o grupo Manimal no meio de uma audiência de dezenas de milhares de paulistas/ turistas, após uma exuberante e envolvente introdução, e no meio da música, dizer que está namorando no calçadão de Camburi? Isso derruba qualquer um...?" É, talvez as regras do mercadão não admitam regionalismos. Mas e os nosso nichos, como ficam? Não são eles a fazer a diferença?

Numa rápida pinçada em alguns fonogramas, encontramos poucos compositores locais referindo-se à Vitória. Chico Lessa talvez seja o campeão de citações, sem ufanismos, nem pieguices, com jóias como "Sorriso da Filha" (Desde Jara além do trio Caiçara/ Do bonde de Jucutuquara...") ou, "Vitória Blues", ("Foi curvando no Saldanha/ Que aprendi a manha..."), entre outras. Encontra-se também citações nas letras de Carlos Bona ("Minha Camburi", "Samba da Ilha"), Paulo Branco ("Hibernei Geral", "Vida da Ilha"), Beto Penedo ("Jurei Rimar"), Gustavo Haddad ("Camburi Blues"), entre outros.

Para onde vamos? O caminhar é lento mas o capixaba é atento. Nesses 500 anos de cantoria nada mais justo que repensar o índio, o europeu, o africano, a cantoria e alegria de estar e ser Vitória. Recordemos a “marcha-do-índio-tonto-capixaba” do premiadíssimo compositor Júlio Alvarenga na música vencedora do Concurso de Carnaval do Município de Vitória de 1963, “Bota o Índio No Lugar”, em busca de registro fonográfico. O episódio em questão era a estátua do índio, solenemente instalada na curva do Saldanha. Originalmente simbolizava a resistência do índio contra os invasores e a flecha estava direcionada para a entrada do porto, na altura do Penedo. Com a construção da Avenida Beira-Mar, jogaram o índio no depósito da Prefeitura para derretê-lo, quem sabe. Em 1963, o Prefeito Solon Borges “acatando a vontade soberana do povo”, que já cantava pelas ruas de Vitória a premiada marchinha de carnaval, devolveu o índio para a Avenida Beira-Mar. Denominaram o índio de Araribóia, chefe dos Temininós, colaborador no esquema de expulsão dos franceses do Rio. Caramba. Em 1970 o Prefeito Crisógono Cruz colocou o índio na Praia do Canto, em frente à praça dos Namorados, ficando o índio atirando flechas a esmo, um perigo iminente aos transeuntes.

Pobre índio, ali ajoelhado, sem com quem lutar. Atualmente ele está de volta, um pouco mais no começo da curva do Saldanha, próximo à Escola de Música, amoitado. E o testemunho desse vaivém, a tal marchinha do índio, está gravado em bronze, na base do monumento, aflitivamente silencioso, pois até hoje não há uma gravação sonora, mesmo após 37 anos, após 500 anos de cantoria. Assim está gravado, assim será lembrado.

 

“Bota, o índio no lugar

Ele quer tomar banho de mar

Bota o índio no lugar

Ele é da avenida Beira-Mar.

Era Araribóia

Ele quer voltar pra lá

Doutor, por favor

Bota o índio no lugar.

 

Resta saber para onde vamos, com esses 500 anos de cantoria, cantando ou não Vitória, ainda mais com o De Vaccas tendo fugido desde o início, rejeitando-nos. Fica no ar, como sugere o hip-hop de Renegado Jorge, descrevendo uma situação de fuga e perigo em "O Fim": "Morro da Piedade/ Centro de Vitória/ Não tenho ideia para onde vamos..."

 

Crônica de: Rogério Coimbra (Produtor Musical)
Livro: Vitória de todos os Ritmos (Série Escritos de Vitória)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2012 

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